Investigadora com bolsa de 3,5 milhões: “estamos pior do que na troika”

Elvira Fortunato conseguiu bolsa europeia, mas não consegue gastar o dinheiro. “Estão a matar a investigação”. Amanhã tenta convencer António Costa.
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“Não conseguimos comprar coisas simples como computadores para o nosso pessoal trabalhar”. Elvira Fortunato é categórica na hora de criticar as alterações ao Código dos Contratos Públicos (CCP), promovidas pelo Ministério do Planeamento desde 1 de janeiro. “Está a matar a investigação, nunca estivemos tão mal nem com a troika”, disse hoje ao Dinheiro Vivo. E nem as alterações que foram aprovadas a semana passada em Conselho de Ministros convencem a vice-reitora da Universidade Nova de Lisboa, que se reúne amanhã de manhã com António Costa.

A investigadora que dirige o Centro de Investigação de Materiais (CENIMAT) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, ganhou a maior bolsa avançada de sempre atribuída a Portugal pelo Conselho Europeu de Investigação. “São 3,5 milhões de euros de fundos europeus que não consigo usar devido a estas regras”.

O que está em causa?

O novo código define um teto máximo de despesa de 75 mil euros por fornecedor, o que condiciona as aquisições dos centros de investigação. Elvira Fortunato explica o processo: “A partir do momento em que um fornecedor já vendeu 75 mil euros de produtos ou serviços a toda a universidade (usamos todos o mesmo número de contribuinte), deixamos de o poder usar, mesmo quando se trata de uma universidade com vários departamentos e centenas de investigadores”. Um dos exemplos foi precisamente a tentativa frustrada de comprar um computador Mac.

“Não podemos funcionar com regras gerais que são usadas nas repartições públicas para comprar material, ainda por cima quando usamos verbas que não são do orçamento do Estado”. Elvira Fortunato garante que os centros de investigação públicos estão, assim, a perder competitividade, a perder investigadores para centros privados e critica o facto do código atual ser demasiado complexo – “há cursos para aprender a lidar com a sua complexidade”. “Não se responsabiliza o investigador ou a instituição, parte-se logo do pressuposto que somos todos desonestos”, critica.

Alterações não mudam o principal

De acordo com a investigadora, o ministro Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, mostrou sensibilidade sobre este problema. O Dinheiro Vivo contactou o seu ministério, que remeteu para uma alteração do Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovada em Conselho de Ministros na passada quinta-feira – no âmbito do Decreto-Lei da Execução Orçamental. As alterações buscam “simplificar procedimentos” para a atividade científica e investigação e, de acordo com o ministério, “procuram fazer uma transposição de normas comunitárias que não se encontrava formulada da melhor forma”.

O Dinheiro Vivo mostrou as alterações previstas (enviadas pelo ministério) a Elvira Fortunato, que não ficou convencida. “Na realidade não ajuda muito, já que trata mais da prestação de serviços e não tem a ver com as aquisições de bens e serviços, ou seja, para o problema em causa não nos ajuda”.

A responsável tem em mãos o projeto inovador DIGISMART, que pretende revolucionar a forma como se fabricam circuitos integrados e dispositivos eletrónicos sem recurso ao silício – explora-se, assim, materiais e tecnologias amigas do ambiente.

Mariano Gago, o exemplo a seguir

A investigadora sugere que se volte ao regime de exceção que esteve em vigor a partir de 2009, quando Mariano Gago era Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. O regime permitia a todas as despesas que estivessem relacionadas com a investigação e desenvolvimento, estivessem dispensadas dos procedimentos complexos do Código dos Contratos Públicos.

Nos tempos da troika “a situação piorou, mas nunca esteve tão difícil fazer investigação quanto agora com o novo código”. Elvira Fortunato espera convencer numa reunião amanhã de manhã, em conjunto com mais investigadores, o primeiro-ministro António Costa a fazer alterações relevantes ao código atual.