Elvira Fortunato: a cientista que revolucionou o papel

Engenheira de Materiais, Elvira Fortunato criou com o marido, o cientista Rodrigo Martins, o primeiro transístor de papel, invenção que promete revolucionar hábitos quotidianos e práticas empresariais. A investigadora é apontada como “o Cristiano Ronaldo da electrónica de papel”. (+) PDF
in Jornal de Negócios, Lúcia Crespo
 
Elvira Fortunato é apontada como "o Cristiano Ronaldo da electrónica de papel". Engenheira de Materiais, a investigadora criou com o marido, o cientista Rodrigo Martins, o primeiro transístor de papel, invenção que promete revolucionar hábitos quotidianos e práticas empresariais, passando, por exemplo, pelo reforço das chamadas embalagens inteligentes e interactivas. As ideias desenvolvem-se no Centro de Investigação de Materiais do Laboratório Associado i3N, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, dirigido por Elvira Fortunato, e partem depois para o mercado. Ali, a ciência anda de mãos dadas com as empresas.
Em 2016, a investigadora foi considerada pela revista Executiva como uma das mulheres mais influentes de Portugal. É, também, vice-reitora da Universidade Nova de Lisboa e membro do grupo independente de alto nível de conselheiros científicos da Comissão Europeia. Com vários prémios acumulados, como a Medalha Blaise Pascal para a Ciência dos Materiais, concedida pela Academia Europeia de Ciências, Elvira Fortunato está na linha da frente da chamada revolução da electrónica de papel e da electrónica transparente. E parece imparável.
A cientista portuguesa obteve, em Abril deste ano, um financiamento de 3,5 milhões de euros, atribuído pelo Conselho Europeu de Investigação, para desenvolver o chamado "Multifunctional Digital Materials Platform for Smart Integrated Applications – DIGISMAT". "Este projecto – que deverá arrancar no final do Verão – vai complementar a área da nanocaracterização que iniciámos com o primeiro projecto que ganhei em 2008. Por outro lado, visa desenvolver um novo conceito de função integrada ‘versus’ circuito integrado. Até aqui, tínhamos de integrar vários dispositivos para o desempenho de uma função (circuito integrado). Agora, pretendo ter um único dispositivo a desenvolver várias funções (função integrada). Além disso, utilizamos materiais sustentáveis e tecnologias amigas do ambiente", explica Elvira Fortunato.
 
CV
Licenciada em Engenharia de Materiais pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (UNL), doutorou-se na área de Microelectrónica e Optoelectrónica. É professora catedrática e investigadora na Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNL e dirige o Centro de Investigação de Materiais do Laboratório Associado i3N. 

Em 2008, a investigadora do Departamento de Ciências dos Materiais da Universidade Nova de Lisboa recebeu a Bolsa Avançada do European Research Council (ERC), no valor de 2,25 milhões de euros. Foi a primeira portuguesa a conquistar uma bolsa ERC. Na altura, até foi apelidada como "a Elvira mais famosa do Google". "Os 2,25 milhões de euros foram uma ajuda preciosa, que nos possibilitou montar um laboratório de nanofabricação que é único numa universidade portuguesa. Eu não estava à espera que esta área tivesse um impacto tão grande, especialmente em termos mediáticos. Isto foi, e ainda é, uma bomba. Porquê? Para já, porque o papel é um material omnipresente, todos nós conhecemos o papel, ele rodeia-nos, está connosco e, de repente, há uma aplicação muito diferente daquela que as pessoas conhecem. Se calhar, foi isso que despertou a curiosidade", disse numa entrevista ao Negócios, em Junho de 2016.
O Centro de Investigação de Materiais do Laboratório Associado i3N conta hoje com 48 patentes e tem vários projectos em andamento na área da electrónica de papel. "Recentemente, submetemos um projecto de um laboratório colaborativo, cujos parceiros são a Imprensa Nacional-Casa da Moeda, a The Navigator e a Câmara Municipal de Almada", conta a cientista. Em termos da electrónica transparente, a tecnologia está a ser aplicada na área dos novos mostradores com tecnologia OLED. Entre outros parceiros, o centro tem trabalhado com entidades como a Samsung, Hovione, Merck, ETRI, The Navigator e Lusospace.

A cebola e o microscópio
Elvira Fortunato sempre gostou de ver as coisas por dentro. Durante o liceu, nas aulas de Biologia, observava ao microscópio as células de cebola. "Sou muito curiosa, quero saber o porquê das coisas, quero saber como é que se faz." A cientista quer estar sempre a aprender. E é isso que a investigação lhe permite. "Estamos sempre a fazer coisas diferentes. Aqui, há de tudo menos monotonia", diz Elvira Fortunato, que nunca fez grandes planos para a vida e a vida foi-lhe acontecendo. "Eu sabia que queria ser engenheira, mas nunca projectei muito a minha vida, tudo aconteceu de forma natural. Sou de Almada e, quando acabei o 12.º ano, a Faculdade de Ciências e Tecnologia estava ali implantada há um ano. Ora, morando na zona e querendo ser engenheira, fui estudar para lá. Mas só tive noção de que gostava realmente desta área quando, já na faculdade, estava a ter aulas práticas e comecei a trabalhar num grupo de investigação, foi aí que eu pensei – é mesmo isto de que eu gosto!"
Elvira Fortunato gosta de esticar os materiais até ao limite e é isso que continua a fazer. Esticar, esticar até ao limite, até obter propriedades diferentes. Acabou por fundar o Centro de Investigação de Materiais, onde hoje trabalham 58 pessoas (entre professores, alunos de doutoramento, post-docs, bolseiros e técnicos). Nos últimos cinco anos, o orçamento foi de 30 milhões de euros, 60% dos quais provenientes de verbas competitivas obtidas de projectos europeus. O restante valor resulta de projectos financiados pela FCT-MCTES e de contratos directos com empresas. "Somos o centro de investigação na área dos materiais e nanotecnologias com mais bolsas do European Research Council a nível nacional – totalizamos cinco", sublinha Elvira Fortunato, a investigadora que gosta de fazer e de pôr as coisas a funcionar. É uma "cientista-fazedora". "Geralmente, nos laboratórios de investigação, quando se descobre qualquer coisa, diz-se: eureka! Nós não usamos eurekas. Nós dizemos: funciona! Esse é o nosso grito."
Geralmente, nos laboratórios de investigação, quando se descobre qualquer coisa, diz-se: eureka! Nós não usamos eurekas. Nós dizemos: funciona! Esse é o nosso grito. Elvira Fortunato