Qual o segredo dos sinos afinados? A ciência estuda

Quem sabia como manter os sinos afinados ficou com o segredo. Mas dois investigadores de duas faculdades distintas procuram resgatar esse conhecimento perdido no tempo. O estudo valeu-lhes um prémio de 25 mil euros que permitirá analisar cada um dos quase cem sinos do Palácio de Mafra.

Ambos trabalham na Universidade Nova de Lisboa. Um é investigador na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, o outro na Faculdade de Ciência e Tecnologia. E juntos ganharam um prémio de investigação colaborativa de 25 mil euros do Banco Santander Totta para estudar os carrilhões de Mafra. "É um incentivo para equipas de faculdades distintas", explica o investigador Vincent Debut, francês, em Portugal há dez anos, físico, que concorreu em nome da FCSH.

O valor do prémio permite a aquisição de material para o estudo que querem conduzir e que nos traz ao escritório do diretor do Palácio Nacional de Mafra - estudar os carrilhões do monumento. O projeto vencedor chama-se "Singing bronze: material sciences and acoustic engineering advanced techniques toward the preservation of the Mafra carillon bells".

Entre 18 e 20 mil euros do prémio vão ser aplicados na compra de um scanner 3D. "Espero começar em setembro", explica Vincent Debut. Essa máquina será usada em cada um dos cerca de 50 sinos que compõem cada um dos carrilhões. O mal amado Levache, da autoria de Nicolas Levache, fabricante de Liège, na Bélgica, que não funciona desde 1900, e o Witlockx, que funcionou até 2004 e foi alvo de um restauro em 1984.

Rui Cordeiro Silva, a outra metade deste prémio destinado a premiar a colaboração entre projetos, da FCT, vai estudar os materiais. Levache e Witlockx usam proporções distintas de cobre ou estanho. Há de vir aqui e recolher amostras do máximo que conseguir para analisar no CENIMAT - Centro de Investigação de Materiais, onde trabalha com Aline Figueiredo (a pessoa de quem saiu a ideia desta colaboração com a FCSH).

Dinâmica e vibração são o que interessa a Vincent Debut. Por isso vai estudar a geometria de cada sino. E o porquê é simples: o perfil interfere no som que dele sai.

No topo do edifício, a caminho das torres sineiras, a passagem faz--se por uma zona onde se podem ver martelos, badalos e até teclados de ensaio. Rui Silva interessa-se pela matéria de que são feitos. "No inverno, este material fica molhado?", pergunta ao diretor, olhando para uma das peças, corroída pelo tempo. Vincent Debut mostra in situ o que já tinha contado na sala do diretor: os sinos Levache são muito mais pesados do que os Witlockx.

No final do projeto, hão de estabelecer uma relação entre a microestrutura do material, "as propriedades elásticas", e a propagação das ondas vibratórias. Debut acredita que será possível saber mais sobre como se afinam sinos, técnica perdida no tempo e tão difícil que Levache, apesar de construtor conhecido a ponto de os seus serviços serem contratados para a obra maior de D. João V (cerca de 1730) e de os ter fundido nas ferrarias do rio Alge, falhou.

"Nem toda a gente sabe afinar e quem sabe não diz", nota o investigador, cujo trabalho de campo deverá começar em janeiro no Palácio Nacional de Mafra, depois de três meses de laboratório a estabelecer uma metodologia para este trabalho.

Os dois carrilhões terão atenção de sobra no próximo ano, aquele em que se comemoram os 300 anos do início da construção do palácio. Está a decorrer o concurso para esta empreitada de restauro do conjunto que, como salienta o diretor, é único no mundo.

O concurso foi lançado a 25 de setembro de 2015, tem um orçamento de 2,3 milhões de euros. Quatro consórcios candidataram-se, um deles contestou a decisão do júri. "Um dos concorrentes apresentou um recurso que está a ser apreciado, nos termos da lei", disse fonte do Ministério da Cultura ao DN. Prazos que põem em causa a utilização destas estrelas maiores do palácio quando do começo das celebrações.

Isto porque, segundo o procedimento concursal, prevê-se que o prazo de execução do restauro se prolongue por 575 dias, o que significa que não estarão prontos a tempo do início das comemorações do terceiro centenário, em novembro.

Rui Cordeiro Silva vai estudar o material de que são feitos os sinos, Vincent Debut ocupa-se da propagação do som e respetiva velocidade.  |  Álvaro Isidoro/Global Imagens

 

Por: Lina Santos
Diário de Notícias, 23 de Julho de 2016
Link para a notícia online aqui e pdf da versão impressa aqui